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sexta-feira, outubro 14, 2005

 

CARTA DE OUTONO

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Pensarás que não te escrevi antes porque o Verão
consome a energia da alma com um apetite solar; e
porque as tempestades do crepúsculo incendiaram as
palavras com rápido fogo aéreo. No entanto, eu
ouço aquelas aves que gastaram as asas na travessia
do Espírito, cujos olhos viram o que havia de duvi-
doso nas traseiras do invisível, onde um deus cul-
pado se esconde e se ouvem as vozes sem nexo dos
anjos enlouquecidos. Essas aves deixaram de saber voar;
agarram-se em direcção às nuvens com os olhos secos e
sem medo. Abri-lhes o peito; e encontrei as entranhas
verdes como as folhas perenes do norte. Então,
ouço-te bater por dentro de mim, embora estejas morto;
e os teus dedos tenham perdido a força antiga que
desafiava a sombra. Procuro uma entrada no átrio
desabrigado da página; avanço entre sílabas e versos
perdendo-me do silencia na insistência dos passos.
O passado é todo o dia de ontem; a vida coube-me
neste bolso do infinito onde guardei os últimos cigarros;
o teu amor gastou-se com um breve brilho de
isqueiro. Saio sem desejo dos desertos de Outubro
e Novembro, arrastando o Outono com os pés, nas pla-
nícies provisórias de um esquecimento de estações.


NUNO JÚDICE
1987


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