Pontuações diversas

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Pensarás que não te escrevi antes porque o Verão
consome a energia da alma com um apetite solar; e
porque as tempestades do crepúsculo incendiaram as
palavras com rápido fogo aéreo. No entanto, eu
ouço aquelas aves que gastaram as asas na travessia
do Espírito, cujos olhos viram o que havia de duvi-
doso nas traseiras do invisível, onde um deus cul-
pado se esconde e se ouvem as vozes sem nexo dos
anjos enlouquecidos. Essas aves deixaram de saber voar;
agarram-se em direcção às nuvens com os olhos secos e
sem medo. Abri-lhes o peito; e encontrei as entranhas
verdes como as folhas perenes do norte. Então,
ouço-te bater por dentro de mim, embora estejas morto;
e os teus dedos tenham perdido a força antiga que
desafiava a sombra. Procuro uma entrada no átrio
desabrigado da página; avanço entre sílabas e versos
perdendo-me do silencia na insistência dos passos.
O passado é todo o dia de ontem; a vida coube-me
neste bolso do infinito onde guardei os últimos cigarros;
o teu amor gastou-se com um breve brilho de
isqueiro. Saio sem desejo dos desertos de Outubro
e Novembro, arrastando o Outono com os pés, nas pla-
nícies provisórias de um esquecimento de estações.


NUNO JÚDICE
1987

nem sei porque os esperava...

pelas doze…
era já tarde…muito tarde…
tardavam a chegar…!
(e depois?
năo esperassem!)
chegaram!
cansados
trémulos
exaustos
da caminhada…
cajado na măo…
eles, os peregrinos do tempo,
aproximaram-se
suados…curvados,
estendi-lhes a măo..
amigos? năo faz mal,
afinal somos nós mesmos
…os atrasados!
se fossemos vós…
estaríamos perdoados,
eu quero ir…
de cajado na măo,
rumo a outro lado
deste mundo sair…
peregrino do sentir!

Bedina

2005

AOS MEUS MENINOS MARTERIZADOS

Olá, meninos já mais crescidos,
corajosos, almas tristes,
corpos manchados,
esperança...continuada...
têm muitos mais anos hoje
do que o somado
pelo tempo que passou,
o dia devia ser mais vosso,
menos nosso...se me entendem...
năo desistam...sei que estăo
cansados e muito abalados,
as dúvidas săo enormes,
suplantam em tamanho
as que tinha há ano e meio atrás,
mas acreditem,
os que entăo convosco estavam,
convosco continuam,
năo esquecem...
nem nunca perdoarăo
a qualquer que seja o vilăo,
o mal causado...
desejo-vos uma noite
descansada...se possível
consolada
pelo apoio incansável,
de quem năo vos deixará
nunca sózinhos ao Deus dará!


Bedina
2005

Estava sentado...meditando no meio da algazarra...da chilreada...dum recreio de crianças...quando....olhei...



criança…anda cá!
estás em que fase?
quais os sintomas?
de que sofres?
estás mesmo boa?
porque năo rendes na escola,
tu năo és tola…
criança…ficou espantada,
olhando desconfiada
tanto rótulo perguntado,
sem saber porquê, para quê
tamanho fado…
estou cansada…
da escola?
năo, de jogar futebol…
entăo presta atençăo…
para quê?
nada altera a chegada a casa
nem minha nem deles…
para quê o esforço…
tirou dois berlindes do bolso,
e ficou a girá-los entre os dedos,
jantar …já é hora
tenho fome porquê a demora?
Ah, já sei…está a conversar…
ainda adormeço
antes dela chegar…melhor,
assim não tenho que contar…
e mais outro dia se passou igual
sem tirar nem pôr
a tantos que se sucedem…
não conheço a mãe, o pai não o vejo,
a escola detesto,
assim o que é o resto?
futebol…não faz mal à cabeça,
cansa o corpo e faz dormir…
amanhã é outro dia igual a tantos outros…

criança…depressa deixarás de o ser
e depois? terás de te comportar
como deve de ser…não te ensinaram
eu sei, mas responsabilizar…
isso sim toda a sociedade to exigirá
ou és um desviado, tresmalhado…
assim psicólogo dirá…
o pior é que se for verdadeiro
descobre a careca do mundo inteiro…
a culpa não é tua criança…
é deles dos pais…são eles
amigo, que necessitam ser tratados
examinados…
como não têm tempo…olha
considera-os já passados,
e tu tenta encontrar
o mundo que te envolve,
a natureza, a arte, o ar…
fauna e flora diversificada…
talvez aí encontres compensação,
te reconheças, acertes a passada
com o resto do mundo…está de ver!
porque isto de estar sozinho
desde pequeno é uma grande maçada!

pequeno ser…que de tanto careces,
que o amor não conheces,
a quem ternura, mimo, carícia,
embalar, consolar, aliviar…
nunca te foram dados,
nem os pedes, senão pela negativa
agressiva, pois então…
eu tomo conta de ti…
mas vamos juntos falar do sofrimento
do que te faz falta…
invento um jogo…regras,
ganhos e perdas,
o da verdade…para poderes
contar…o segredo da tua alma
sofredora, sem saber…
apenas sentes o peso
da sociedade castigadora
que não te procura entender
é cega, surda e muda…
mas sabe excluir-te, fazer doer,
então jogamos o da verdade?
comecemos então que já se faz tarde!

Tempo passado…

espaço conquistado,
amigo, como te encontro mudado!…
eu? sou o mesmo mas mais encontrado
sossegado, experimentei ter confiança
e atrás dela vieram chorrilhos de coisas
muito belas, doces, bem-estar,
até me permiti sonhar que te iria ganhar,
terapeuta amigo, gosto de ti, posso ficar,
só mais um …um bocadinho?
fica querido…mas porque queres?
não já porque precises, encontraste-te
e sobretudo ao teu caminho!
foste tu que mo mostraste…
comigo andaste
encontrei alma grande em ti,
deste-ma…aprendi,
águas profundas tranquilas,
mas vivas eu sei…senti!
Obrigado, muito obrigado!
pequeno ser "inventado"!


Bedina

Junho de 2005

Sonhei que era folha

hoje logo de manhă
olhei-me...meio a medo
com receio?
năo, năo creio,
mas sentia-me diferente...
mais como antigamente
algo que nem sei explicar...
mas vi-me FOLHA
no meio de muitas irmăs,
acho que estava lá em cima...
porque olhei para baixo...
e...coisa boa!
vi tanta, mas tanta florzinha
a despontar...a nascer,
olhei em volta e as minhas irmăs,
as outras folhinhas tenras
sorriram para mim...
senti-me pertença...
e linda de morrer...
verde clara...clarinha
de água misturada
para a aguarela pintar,
dum enorme arbusto,
sólido, a rebentar de
AMIZADE

Bedina

leio-os,
releio-os,
chego ao fim
volto ao princípio
e nunca cansa…
sempre aprendo
vejo o escondido,
aumentado
há tanta coisa…
em cada vez encontrado
faz todo o sentido
retornar,
uma e outra vez,
ao já conhecido
ao estudado
e de novo
explorado…
até algum dia
me identificar
o sentir que é certo!
sinal de que entăo
já se entendeu e
já estou “perto”…
mas por enquanto
ainda năo!

Bedina

dia após dia


Foi…
É o início
Um dia voltou
A nascer.
O corpo adormecido
Acordou
E veio ver...
Não, não pensou
Limitou-se
A sorrir
E parou...

Nada espera
Nada exige

Apenas sente
Atmosfera
Nova
Todos os dias
Volta
Persiste
Até o inicio
Daquele
Que será
O seu fim...

Nada sente
Descansou
Finalmente!

Terminou
Seu trabalho
Sua dor
Sua alegria
Sua energia
Seu esperar...
Não se interroga mais.

Adormeceu!

Bedina

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é minha, é minha…
atraente caixinha…
tenho-a há tanto tempo
que nem me lembro
quando a vi pela primeira vez,
terá sido em sonhos? talvez…
Tenho tentado imaginar
o que ela pode guardar
mas resisti até agora
e não a abrir…

“minha Pandora”,
“minha caixa segredada…”

toda a ânsia de viver,
intensamente com e pelos
outros me tem saído de lá,
não sei bem mas só pode ser,
algum buraquinho mal fechado
que a minha madrinha,
não deve ter encontrado…
às vezes saiem cheiros
absolutamente incríveis
sou incapaz de os descrever,
causam bem estar, tensões
de amor…desejos a aguardar
o momento certo de os libertar…

minha caixa preciosa…
milagrosa…mas incerta

não sabendo o que conténs
não te vou agora abrir pela certa,
espero se me for dada autorização
então o farei …e acho que vou ter
uma enorme desilusão…

(é melhor pensar...antes de o fazer…)

enquanto caixa fechada
guarda toda a minha “ilusão”,
quando for aberta vai-se a tensão
desfaz-se em nada diria
toda a minha fantasia!
Madrinha…seja quem fores,
não ma tires enquanto viver…
em vida ela será minha,
sempre fechada, bem guardada…?


Não, não é preciso responder…


Bedina
2005

EXPLICAÇÃO DA PEDRA ENQUANTO LUME


(Daniel Faria)

A pedra tem a boca junto do ouvido
E para dentro de si mesma sem cessar se diz.

Se cair nos olhos
Quebrar-se-á em pranto.
Se rodar no dorso
Vergar-me-á.

Pesa-me no bolso
E na cabeça.
Não é um pensamento.
É uma ideia ensimesmada. Uma pedra fechada
Pelo lado de dentro.

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"Rescaldo de sensações..."

poema como prefácio à Poesia dum poeta maior:

Nas pálpebras da noite
Chorei cadências
que me ensinaram
que o Amor Ama-se
Assim teus
olhos.

inédito