domingo, outubro 30, 2005
...SILÊNCIO: ...a palavra ao POETA...
ESTIO
A poesia corrompe os dedos que escrevem. Caem
dos braços, como frutos podres, e infectam a terra
branca do amanhecer. Leio o verso interrompido
pela doença.
Reconstituo o final do poema,
a evocação do corpo com febre; e abraço
a mulher pálida que o poema oculta. "Amo-te", digo-
-lhe. Ela despe-se na obscuridade da memória, deixando
atrás de si uma sombra de antigos lençóis. A luz
do meio-dia, ouço, apagou essa imagem; e revela
o vermelho dos lábios de onde escorre
o riso límpido do amor.
- Tarde em que as janelas batem; e um
vento interrrompe a conversa dos amantes; e
o mar se despede de agosto com as marés
vivas que o hábito ignora.
Nuno Júdice