quinta-feira, janeiro 18, 2007
ESTROFE
Regressarei com as respirações ávidas do deserto, o peito
ornado com um fluxo de mares secos, empunhando o bastão negro
das taciturnas lepras do oriente. Sentar-me-ei sobre os ávidos
favos da árvore, comendo o fruto corroído e evitarei o olhar estéril
dos horizontes dourados, das portas enferrujadas pelas eras sombrias,
lembrando-me um crepúsculo divino no círculo absoluto de uma acústica
exumada. E subitamente estranho a fragilidade dos cimos, que as cinzas
de uma névoa absurda encobrem, cujo choro embebe a esponja pálida
das vertentes alucinadas, arrastando um lento uivo de ave
numa queda de teleféricos. Que silêncio me une ao incêndio alado
das quadrigas, à aromática promulgação de uma última primavera,
ao velado linho do horizonte de neve? Perco-me no tráfico
das prosódias, nas camadas subterrâneas de um reservatório
de vogais, na metamorfose das escamas de um decassílabo inicial: no rio
esquecido de uma opaca expedição interior, que um pasmo de margens
detém: numa hesitação de brilho no reflexo dos salgueiros; e
entre as vigílias lunares do vegetal gineceu, filtrando os cabelos
de híbridas adolescentes ébrias na humidade do hímen! – aí
me perco, numa errância de limbo, arrastando os cegos passos
de um rebanho de decepados predadores: os pássaros gigantes
da memória, recitando os convulsos salmos de exílio, petrificados
na rígida hierarquia de uma numeração romana. Ouço-os,
rezando sobre a ofegante respiração de um mundo amortalhado,
e o bater das suas asas uníssonas atinge-me o rosto ferindo-me
com a lâmina das sereias sibilantes no solitário sussurro
do náufrago. Sabei, assim que força me impede de testemunhar os aurorais
estigmas de um nascimento de sílabas, me empurra na abjuração
de um luminoso declínio de vozes, me infecta – a alma e o espírito –
com a alucinada ausência dos imensos confins, privando-me dos favores
mortais de uma raiz de cipreste: vento obscuro que agita as ervas
do infinito num enlouquecido murmúrio, que eu ouço, correndo
como os dados no tabuleiro dos meus olhos – trazendo um sonho de largo
às estagnadas pupilas do verso com que me fixo, imóvel, nos degraus
sacrificiais do poema.
NUNO JÚDICE
Regressarei com as respirações ávidas do deserto, o peito
ornado com um fluxo de mares secos, empunhando o bastão negro
das taciturnas lepras do oriente. Sentar-me-ei sobre os ávidos
favos da árvore, comendo o fruto corroído e evitarei o olhar estéril
dos horizontes dourados, das portas enferrujadas pelas eras sombrias,
lembrando-me um crepúsculo divino no círculo absoluto de uma acústica
exumada. E subitamente estranho a fragilidade dos cimos, que as cinzas
de uma névoa absurda encobrem, cujo choro embebe a esponja pálida
das vertentes alucinadas, arrastando um lento uivo de ave
numa queda de teleféricos. Que silêncio me une ao incêndio alado
das quadrigas, à aromática promulgação de uma última primavera,
ao velado linho do horizonte de neve? Perco-me no tráfico
das prosódias, nas camadas subterrâneas de um reservatório
de vogais, na metamorfose das escamas de um decassílabo inicial: no rio
esquecido de uma opaca expedição interior, que um pasmo de margens
detém: numa hesitação de brilho no reflexo dos salgueiros; e
entre as vigílias lunares do vegetal gineceu, filtrando os cabelos
de híbridas adolescentes ébrias na humidade do hímen! – aí
me perco, numa errância de limbo, arrastando os cegos passos
de um rebanho de decepados predadores: os pássaros gigantes
da memória, recitando os convulsos salmos de exílio, petrificados
na rígida hierarquia de uma numeração romana. Ouço-os,
rezando sobre a ofegante respiração de um mundo amortalhado,
e o bater das suas asas uníssonas atinge-me o rosto ferindo-me
com a lâmina das sereias sibilantes no solitário sussurro
do náufrago. Sabei, assim que força me impede de testemunhar os aurorais
estigmas de um nascimento de sílabas, me empurra na abjuração
de um luminoso declínio de vozes, me infecta – a alma e o espírito –
com a alucinada ausência dos imensos confins, privando-me dos favores
mortais de uma raiz de cipreste: vento obscuro que agita as ervas
do infinito num enlouquecido murmúrio, que eu ouço, correndo
como os dados no tabuleiro dos meus olhos – trazendo um sonho de largo
às estagnadas pupilas do verso com que me fixo, imóvel, nos degraus
sacrificiais do poema.
NUNO JÚDICE